sábado, 31 de outubro de 2009

Apresentação


Fotos: Andrés Rodriguez


Trata-se de um projeto teatral itinerante que percorreu cidades do interior do estado de Goiás e também as capitais Goiânia e Brasília, por 33 dias, onde foram criadas, apresentadas e registradas cenas a partir da experiência das atrizes com cada cidade.

Três figuras, a Curandeira, a Cigana e a Caixeira Viajante, passaram em cada cidade oferecendo seus serviços aos moradores por 3 dias. Dessa relação, no último dia, foram extraídas cenas que serão apresentadas em composição com cenas já pré-elaboradas e inspiradas por seu olhar de “dentro”, Brasília.


... o forasteiro que invade à procura do encontro necessário do dentro e do fora, o movimento da vida com suas mágicas idas e vindas. É um encontro rápido e fugaz que busca na qualidade da observação e interação, a possível generosidade e intensidade do olhar artístico sobre a própria vida e o cotidiano.


CIDADES PERCORRIDAS: Paraúna, Caiapônia, Serranópolis, Aloândia, Pontalina, Itajá, Cidade de Goiás, Goiânia e Planaltina - DF, entre julho e setembro de 2009.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Olhar Forasteiro



O olhar forasteiro procura pelo incomum, é um olhar inquieto, contemplativo ou sonhador. Que caça, por onde passa, o detalhe, que pode mudar a forma de se ver o mundo.

O incomum não é necessariamente o que nos espanta, mas também o que nos dá força de procurar em nossa essência a vontade de ampliar nossos horizontes, de forma que estes nunca mais retornem ao seu tamanho original.

A mudança se torna vital quando se entende que sem ela não há crescer, esta é movida pela vontade de cada um e guiada pelo olhar, o olhar forasteiro.

Felipe André - Cinegrafista

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Brasília

"Eu olhei lá do céu e disse: É ali Deus! É ali que eu quero nascer...
Eu nasceria em qualquer lugar na verdade, mas quando olhei pro centro eu vi um pedaço de saudade acenando pra mim. Uma saudade de tudo que ainda há de acontecer, saudade de mim e de tantos mins que haveriam de escolher ali, por que ali tinha uma saudade do que ainda não é desenhada na arquitetura do futuro... Era uma saudade cinza doida pra ser colorida. Era uma saudade disfarçada de cidade que tava no mapa de Deus."


No Setor de diversões
Foi num asfalto quente de duas asas, com um céu laranja curioso que as coisas sucederam. O homem andava mais que as pernas para aquele nunca chegar, nunca chegar, nunca chegar, nunca chegar. Ele parecia envelhecer no caminhar. Tudo parecia o mesmo naquele lugar, o tempo passava, o passo passava, mas tudo parecia o mesmo naquele lugar. O mesmo eco traçado em retas, o mesmo seco na ordem dos números e o mesmo silêncio metalizado pelo zumbido dos carros. Zum... zum.... zum... Chegou ao centro. Chegou ao centro? Ele caiu espantado no centro e não se divertiu no setor de diversões. Ele caiu sozinho no eco seco traçado reto por números secos e retos com uma agonia crescente. Zum zum zum. Uma dona muito distinta de sobrenome Moraes e de olhar mais doce que o doce docinho das coisas doces, o apanhou no colo e o fez ninar. O estirou no chão e começou a fazer o homem nascer. De seus braços surgiram salas de edifício, em suas pernas dezenas de lojas, em seu coração um teatro... Em suas veias correm pessoas e desejos quentes que gozam dia e noite ao som dos... zum zum zum. A moça quando terminou de nascer o homem abriu a porta do teatro e adormeceu no seu coração.

Meia noite
Foi pelo silêncio que ela se apaixonou! Era já bem tarde em todos os relógios, talvez meia noite. Era entre um dia e o outro, quando ela despertou. Que céu mais lindo de mil estrelas cobria Noá e o mundo a meia noite naquele lugar. Noá era torta de tão bonita, cerrada de tão aberta e seca de tão colorida. Borboleta!!!!!!!!! Borboleta!!!!!!!!!! As borboletas beijavam as cachoeiras bem perto dela... talvez nela... mas não ali em seu colo seco. Foi então que aconteceu. Em caminhões chegaram nuvens. Chegaram muitas e chegaram tantas nuvens que ela se assustou. Chegaram muitas e chegaram tantas que ela acordou. Em silêncio como nos sonhos, sem poeira nem tristeza as nuvens foram enterradas na moça torta de tão bonita, cerrada de tão aberta e seca de tão colorida. Como mágica começou a chover dentro da terra e a água começou a molhar a moça seca... em silêncio bem baixinho Noá beijava a água assim como as borboletas. A moça tinha agora em seu colo um lago de amor. Um lago só para Noá.

A Cigana

sábado, 3 de outubro de 2009

Maria Planaltina




Envelheci meu anos quando pisei em Planaltina. Acho que gostaria de me parecer com essa dama antiga, que me chama amiga para passear por suas ruelas.
Apesar da face impressa no total estranhamento, Planaltina nos recebe de coração aberto. Sento-me nas escadas de sua igreja matriz e descarrego todas as folhas que catei na estrada, transformando-as em pó, para juntar ao pó de agora, desta terra que considero minha também.
Foi aqui que Goiás pariu Brasília. Os 150 anos de Planaltina também dizem muito de mim. Por aqui passaram bandeirantes, ouro, escravos. Será que Planaltina sonhou algum dia com Brasília?
Banho-me com tuas folhas secas, Planaltina. Recarrego minha bagagem delas. Encho a bolsa com tuas folhas para fazê-las bem vindas em outros lugares! Folhas que completam esta que criei, uma entidade curandeira, com árvores sem folhas desenhada na testa, seca, sedenta por se saber raíz, sedenta por se saber cerrado retorcido, sedenta por encontrar o remédio embaixo de tuas cascas. A falta no cenho é complemento em outro lugar, mas a falta não passa de um estado dentro do rio que flui e sempre chega novidades antigas e bem vindas.
Indagam-me de onde vim. Mal sabem eles que a terra vermelha que pisamos agora, em Planaltina, chamava-se Sítio Castanho, o famoso lugar de onde vieram essas Marias. É o forasteiro assentando o passo e estranhamente sentindo-se nativo. "Onde fica?"... Estranhamente posso sentir seu cheiro e o cheiro da chuva que ameaça vir fora de época, alimentando a terra seca, esverdeando o que era pardo. Parda que estou, já me esverdeio na companhia de Planaltina, pequena grande idosa menina em cima deste Goiás, furtada pelo Distrito Federal.

Planaltina, seu primeiro nome deveria ser Maria

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Igreja de São Sebastião - Planaltina - DF/Goiás


Olhe por onde pisa.
As pedras são largas e demoraram a chegar.
A madeira custou anos para crescer.
A tinta secou rápido, mas existem outras camadas.
Além de tijolo e argamassa suas entranhas são esconderijo do passado que ainda vem.
Ela guarda o sobrado, o mezanino do coro, e esconde as badaladas do sino de seu esquecimento.
Aterrisa sua nave no pátio central de onde ecoam as lágrimas dos velórios e as gotas do batismo.
Eterniza o martírio da promessa em nome da qual foi gerada, promovendo a cura dos que acreditam. Amém.
A oferta é curta e pouca, mas receba essas linhas em nome de sua humildade Sra. Igreja de São Sebastião.
A Caixeira.

sábado, 5 de setembro de 2009

Dulce

Logo quero me adiantar, logo à frente há uma bela construção vermelha cor de terra. É um espaço cultural dedicado à memória de Uberdan Cardoso, um famoso ativista cultural da região. É André que me atende, um rapaz bonito com o sorriso sempre exposto, cujo valor de seu coração logo se percebe nos olhos. Apresenta-me todas as dependências do espaço sem ao menos julgar aquela figura estranha. Recebia-me – Maria – ternamente.
Seu Uberdan Cardoso ajudou a organizar durante muito tempo a famosa Via Sacra que acontece todos os anos em Planaltina. É um mega projeto teatral de rua, que mobiliza centenas de pessoas ao redor da encenação da paixão de Cristo. Cidadãos, pessoas comuns transformam-se em atores e a seriedade com que encaram este desafio, se vê nas muitas fotos expostas no espaço. É um professor da região que faz o Cristo atualmente. Uberdan também organizava festas temáticas na cidade.
Logo que entrei no espaço, André não estava só, estava em companhia da cativante Dulce, que passou um bom tempo calada, observando. Quando foi tentada a falar, encantou-me com a simpleza de sua sabedoria e bom humor.
“Olha André! Ela olha fundo nos olhos, parece que tá vendo tudo! São olhos de cura, você parece uma curandeira, sei lá!” – concluiu acertiva. Seguiu falando riquezas de forma despojada: “Tudo é manipulação de energia”; “Eu gosto de pássaro, mas não gosto de gato. O gato quer carinho, eu também, então, não dá certo. O passarinho só canta, é livre.”
Acaricia seus ouvidos, né, Dulce? – Ela se escondia da câmera para não ser filmada porque afirmava que estava muito feia. Disse-lhe:
“A feiúra nasce na alma. Você não é feia, Dulce. Seu bom humor descarrega qualquer ambiente.” – Leveza e força naqueles olhos crédulos, lúdicos, bem vindos. Por dentro, torcia para que o cinegrafista estivesse ao menos gravando o ritmo e o conteúdo de sua fala.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Goiania


Havia um mar logo em frente ao Hotel. Um mar de carros que insistiam em deixar o barulho de suas ondas nos banharem durante dia e noite. Um mar revolto com espécies múltiplas, coloridas e barulhentas. Depois de tanto tempo no interior do estado de Goiás, nossa trupe encontrou de novo o som e a pressa da capital. A gentileza nas vozes e nos olhares das pessoas nos faz lembrar nosso percurso e nos dá força para continuar. Fomos muito bem recebidos no lindo teatro Martin Cerêre, por Tête Catalão. Ela que é uma importante artista da cidade nos cedeu gentilmente o espaço do teatro que ela cuida com tanto amor, para os nossos ensaios. Tentamos em poucos dias criar um mosaico da experiência vivida no interior. Nossa apresentação foi um misto de luta contra todo o alvoroço ao nosso redor na famosa praça do sol, com o brilho da conclusão de uma parte importante do nosso projeto.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

APRESENTAÇÕES




































































Fotos: Andrés Rodriguez










Lucas Lucalino ou Cora Coralina pelos fundos - Goyas



Cheguei à casa de Cora Coralina pelos fundos.
Para minha surpresa, encontrei um jovem encantador de pipas sentado em frente à sua casa que ficava nos fundos da de Cora. Era Lucas Lucalino.
Conversamos longamente e aquele jovem me devolveu o frescor dos sonhos e do destino com sua força de vida que o fazia brilhar. Como alguém que ama sua cidade, me contou histórias longínquas do Rio Vermelho, de Anhanguera, dos Goyazes, de Cora.
Dizia que ela odiava que apanhassem frutas de seu quintal. Ficava furiosa com tal “invasão”. Para minha surpresa, o sobrado de que tanto fala nas poesias é uma casa grande, com quintal vasto, plantas de todos os gostos na beira do rio e acompanhada de um porão onde “guardavam” as escravas, ajudantes na fabricação dos doces que Cora fazia.
No passado, assisti a Cora através dos versos. Hoje, a assisti através da imaginação localizada nos quintais de sua casa.
A imagem do velho sobrado não transluzia a delicadeza de quem se coloca à margem. Antes pelo contrário, demonstravam a fortaleza privilegiada da beira do rio, do quintal largo e longo, do uso da força escrava. O mito Cora ofusca. Ofusca os diversos diamantes brutos ou lapidados que existem no Goyas, mesmo ali no quintal de sua casa. Cora fez de sua vida poesia e agradeço por tê-la conhecido primeiro pelos versos. Antes pelos versos, do que pelo mito distorcido ou ainda pela personalidade abusiva contada pelas histórias que ouvi.
O diamante ofuscado-Lucas é um jovem de 14 anos e quase não nasceu. Era para ter sido abortado porque os médicos diziam que ele possuía uma má formação e que nasceria surdo, cego e mudo. Mas nasceu firme e forte e desde os 11 inventa os seus próprios serviços para começar a juntar a sua independência. Já fez banquinhos, capinou jardim e recentemente vende pipas encantadas que garantem a sua imaginação. Sonha em entrar para o Exército, mas quebrou a mão aos 10 anos e teme não passar no exame.
Me contava sobre Cora com a maestria de quem ouviu cuidadosamente os mais antigos: detalhes e intimidades de quem se aproximou. Observador, conhece as esquinas do rio e faz versos por existir. É um prosiador e contador da paixão com que olha.
Em silêncio dizia ao querido, Lucas: Não há com o que se preocupar. Como você mesmo disse, o seu caminho está te esperando. Ouso em dizer que o brilho de um diamante te acompanha seja nos quintais de Cora seja na maestria de sua inventividade que alcança o nunca dantes navegado.

Caixeira.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Cidade de Goiás


Lá na ponte, quase em frente à casa de Cora, uma voz assim que me viu me chamou. Eu fui. A voz era de um homem de aproximadamente uns 60 anos que estava encostado por ali observando o que passava por cima da ponte, enquanto eu olhava o que passava por debaixo. Ele perguntou se o que eu estava fazendo era teatro, ao que logo respondi que não, o que estava fazendo ali era tentando identificar que tipo de peixe sobrevivia no rio que atravessa a cidade. Ele disse os nomes dos peixes que corriam por ali e insistiu na pergunta: - É teatro? Eu disse que não, que estava apenas conversando com ele pra saber mais da cidade. Ele listou o nome de vários políticos e falou da importância da Cidade do Goiás ter se tornado patrimônio cultural da humanidade e assim que terminou, perguntou novamente: - É teatro. Ao que eu respondi; - Sim. Ele deu uma longa risada, e disse: - Eu sabia o tempo todo. Ao que respondi: - Eu também. Dei um longo abraço e parti cantando.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Cidade de Goiás

O pai do imperador conta com orgulho o papel de seu filho e relata os dois lados do olhar da cidade de Goiás, os daqueles que vão para a cidade em busca de uma visita à imagem historica desta cidade e os daqueles que moram nela e sabem também de seu passado real, acorrentado aos fantasmas dos coronéis do passado.

São as pessoas que lá moram de onde vem a verdadeira historia e vida da cidade.

Talentos escondidos.





Fotos: Felipe André

Quitandeiras


Hoje a luz do dia me brindou com presentes ofertados
Maria me vi
Reconheci
Mulheres do Goiás

Quando esta terra escondeu seu ouro
Quem te alimentou
Foi tu
Resistente e engenhosa quitandeira.
Do pão de queijo ao biscoito de sal

Goiás-mulher
Oferece seus sabores.





O biscoito que vem da farinha faz o pão de cada dia
Da farinha nasce o feijão
Alimentam as bocas famintas
Do Goiás sem chão

O dourado parou de brilhar
Nos rios
Vamos dourar o pão
Das quitandas
Oito em Oitenta
Das quitandas
Mãos que ensinaram minha mãe.




Era uma vez uma cidade que nasceu pela prece! Como muitas cidades do interior deste Goiás, nasceu em volta de uma igreja. Era uma terra recheada de ouro, que viveu tempos prósperos com esta descoberta. Havia um civilização longe, que atravessava oceanos em busca do brilhodeste metal. Porém teve um tempo em que a mãe natureza escondeu este brilho. E a cidade de novo teve que fazer muita prece para escapar da fome, porque aquele metal valia muito dinheiro.
Mas as mulheres daquela cidade antiga que nasceu pela prece, além de fé tinham atitude.
E botaram a mão na massa.
E faz o pão de queijo.
E faz o quitute
E trabalha todo dia, horas amiúde
Aquela Vila era Boa
Boa de sabores
Boa de pessoas que superam suas dores
E recriam seu destino

Além de fé, atitude
E botaram a mão na massa
E faz o pão de queijo
E faz o quitute
E trabalha todo o dia, horas amiúde.


Curandeira

Cidade de Goiás

Foto: Andrés Rodriguez


Antiga capital do Goiás
O Goiás nasceu aqui
Com formas históricas
E pedras irregulares

Me desequilibro
Parte neste chão de pedra
Parte no asfalto íngrime
De ladeiras que me levam às montanhas do cerrado

Goiás...
O que te habita?
Que cantiga cantam suas flores e as cores de suas ruas?
Soam longíncuas dos eus que me habitam
Eu-cerrado
Eu-Goiás
Ancestrais.

Curandeira

Seu Vângelo


Conheci um senhor, trocador de livros
Quase sem pão
Abria as porteiras da imaginação
E se alimentava de razão

De livro em livro, ia longe como os rios
Desaguava no oceano de possibilidades fantásticas que a mente cria
Vângelo já virou poesia
Trocamos filosofia
No ermo Goiás
Nietzsche e Huxley
Quer mais?

Autodidata
O segundo primário, ele tinha
Aprendia como convinha
Trocava livros
Quase sem mãos
Quase sem pés
Caminhava por outro viés.

Curandeira