Versão sintetizada (para aqueles com pressa):
Encontrei hoje “Seu João” que tinha o sonho de voltar para sua cidade natal, na Bahia, para ficar perto de seus pais. No desenvolver da conversa, descobri que a mãe de “Seu João” já havia falecido. Ele então complementou: - Não pude estar com ela, mas ainda tenho o sonho de reencontrá-la.

Versão completa (pelo gosto da imaginação):
Hoje atravessei a rua como quem diz: - Obrigada por me lembrar!
Sentei na praça pedindo permissão ao “Sr. João”, homem com aproximadamente 55 anos, negro, corpulento e com a voz segura de quem se mantém firme.
Em meu canto, em silêncio, pincelei algumas cores no papel sem saber ao certo o que pintar. Aguardei qualquer visão ou inspiração abduzida e, nem sei por onde, começamos a conversar: eu e Seu João.
Os seus 20 anos de Serranópolis deixaram escapar o segredo de uma insatisfação e uma verdade corroída que aos poucos foi se desvelando:
- Quero voltar para minha cidade, na Bahia.
É de se estranhar a existência de nordestinos nessa região do Goiás, a não ser, como no caso de Serranópolis, que venham para trabalhar em alguma indústria ou usina.
Aos poucos fui retirando a poeira desse sonho e fiquei estática ao ver aquela fortaleza se desfazendo em minha frente...lágrimas que corriam com a mais absoluta sinceridade de concretização.
Conversamos “arto” (sintomas de intimidade com o sotaque) e novamente os seus 20 anos em Serranópolis o haviam enraizado no terreno, na profissão, nos filhos e no bar que possuía ali.
- Quero voltar para perto de meus pais.
Sem saber, tocava-me fundo ao coração, inclusive, sem que nem eu mesma soubesse instantaneamente, vindo a me aperceber tomada de emoção apenas 3 horas depois.
Ia tecendo sua teia de conjunções afetivas revelando a surpresa de que sua mãe já havia falecido e que ele não pôde estar ao seu lado nos momentos finais e que, portanto, faz parte de seus sonho um dia revê-la.
Foi preciso quase 10 horas depois para eu estabelecer a conexão daquele momento com Seu João e meu próprio processo de retorno ao seio familiar. Encontrava-me ao telefone conversando com minha mãe, chorosa e fragilizada pelos momentos de menopausa, enquanto as duas conversavam com voz rouca, herdada das doenças aéreas típicas da família. Horas antes conversara com minha irmã, um hemisfério ao norte de distância, acompanhando os pesares das escolhas e dos detalhes cotidianos.
Saudade de colo e de aconchego diante desse processo errante nômade...
Eis o presente construído a 4 mãos com Seu João: o bar Bahia.
Caixeira
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